"A Pachama é uma empresa única no mercado pelos altos padrões de qualidade que são aplicados no uso de sua tecnologia e no desenvolvimento de seus projetos. "
1. Qual é a sua formação e experiência em soluções baseadas na natureza (SBN)?
Sou bacharel em Direito e pós-graduado em Meio Ambiente e Sustentabilidade. Entrei no universo das SBN de forma mais ampla como consultor ambiental, e logo estava bastante envolvido como uma série de projetos do mercado voluntário de carbono (MVC).
Enxerguei no MVC a possibilidade de dar escala para muitas SBN relevantes, mas especialmente a conservação e regeneração de ecossistemas nativos. Aqui no Brasil muito se fala da nossa vocação enquanto “potência ecológica”, mas outra vocação tipicamente brasileira é o descompasso entre retórica e ação. O MVC oferece uma solução de mercado eficiente e transitória para endereçar as emissões do chamado setor AFOLU (sigla para Agricultura, Floresta e Uso do Solo), que historicamente não são objeto de mercados regulados de carbono (especialmente pela modalidade do sistema de comércio de emissões, que focam em emissões estacionárias, como as indústrias).
Em nota pessoal, minha paixão e missão aqui nesse plano terrestre é trabalhar com grandes mamíferos (especialmente predadores topos de cadeia). Tive o privilégio de estar envolvido em projetos que criam ou mantem corredores ecológicos relevantes para animais como onças pintadas e pardas, lobos guarás, antas e muitos outros, e isso é muito gratificante.
2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?
Eu passei os últimos quatro anos da minha carreira trabalhando em uma desenvolvedora de projetos. Mergulhei na missão de tornar a proteção de ecossistemas nativos uma atividade rentável para proprietários conservacionistas, sempre por meio do MVC. Pude mergulhar nos desafios de entender a realidade dos agricultores e pecuaristas brasileiros (mas especialmente do Norte e Centro-Oeste), tentando trazer os créditos de carbono de REDD+ como mais uma fonte de diversificação de receitas para as propriedades rurais.
Mais do que isso até, houve um arco narrativo maior – e talvez ainda mais desafiador – de demonstrar que a preservação de vegetação nativa era uma forma de “seguro agrícola” contra as consequências mais perniciosas das mudanças climáticas.
Recentemente me juntei à Pachama, uma plataforma de carbono de IA que utiliza sensoriamento remoto e inteligência artificial (IA) para auxiliar as empresas a investir com confiança em créditos de carbono de alta qualidade. Temos um marketplace e plataforma de monitoramento onde
vendemos créditos premium de projetos de terceiros, mas onde também desenvolvemos e monitoramos projetos tailor-made do zero para nossos clientes, tudo edificado e amparado por tecnologia de ponta.
Nesse momento, estou convergindo meus conhecimentos de estar à frente de desenvolvimento de projetos com o avanço de infraestrutura digital crítica para escalar o MVC. A Pachama é uma empresa única no mercado pelos altos padrões de qualidade que são aplicados no uso de sua tecnologia e no desenvolvimento de seus projetos.
O MVC precisa urgentemente de escalabilidade e acurácia metodológica, evitando projetos de baixa qualidade e propiciando a formação de modelos de negócios sólidos e perenes (baseados em modelagens de carbono confiáveis). Nesse momento, a Pachama é uma das poucas empresas que oferece exatamente isso, uma interseção virtuosa entre o estado-da-arte em tecnologia de sensoriamento remoto e IA, aliado a um portfólio de projetos realmente impressionante.
3. Quais são os números ou insights de mercado que mais entusiasmam você no espaço de SBN?
Eu fico contente de ver a ascensão das SBN no contexto geral do MVC, com cada vez mais emissões anuais de créditos associados a esse setor. A tendência é que tenhamos uma completa inversão em um futuro próximo, com as SBN superando os créditos de energia renovável, que historicamente dominam o MVC e que também representam uma grande parte do estoque não aposentado em reserva hoje.
Hoje grande parte desse volume em ascensão se deve aos créditos de REDD+, mas também veremos aumentos significantes em créditos de reflorestamento e de restauro e conservação de ecossistemas costeiros, como os manguezais. Tudo isso faz parte de uma orquestração muito mais ampla, trazendo esse mecanismo de mercado para efetivamente se estruturar uma economia ecológica, que remunera serviços ecossistêmicos.
Evidentemente, o que eu descrevo acima ainda passará por muitas provas de fogo, algumas de cunho estritamente regulatório, como a criação do mercado regulado no Brasil e a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris. Mas em geral, o MVC demonstra muita resiliência e a possibilidade de continuar sendo uma ferramenta ímpar para endereçar as emissões do setor AFOLU.
4. Quais são as principais dificuldades ou travas que, se resolvidos, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?
Para algumas SBN, como reflorestamento, ainda há uma necessidade intensiva de CAPEX inicial, e são modelos que precisam ainda necessariamente de soluções mais inovadores de financiamento, como o Blended Finance. Nesse sentido, o próprio BNDES vem cumprindo um papel formidável com linhas de financiamento para essa atividade e outros programas de match-funding como o Floresta Viva. Acredito que precisaremos de uma ampla coalização nessa próxima década para viabilizar essa economia da restauração florestal. Contudo, esse é um elemento viabilizador que cuida de um aspecto constitutivo da oferta.
Também precisamos de sinais claros da demanda, que hoje é movida por empresas líderes bastante ativas no MVC, comprando anualmente créditos de carbono. A demanda precisa ser ampliada para que mais projetos possam ser financiados com contratos de compra e venda futura, estabelecendo segurança jurídica e financeira para todas as empresas envolvidas nos elos do MVC e da cadeia da restauração.
Nesse sentido, estou mais que otimista. Estamos no caminho certo, com muitas sinalizações positivas.
5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar um termo no espaço das SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?
Vou utilizar esse espaço para falar de um conceito muito caro às SBN no contexto do MVC. Qualquer pessoa, empresa ou entidade que adentrar esse universo vai necessariamente se deparar com o conceito de “adicionalidade”, um elemento central para criação de qualquer projeto de crédito de carbono. Em brevíssima síntese, esse conceito basicamente nos diz que as reduções e remoções de emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) associadas a um crédito de carbono não teriam ocorrido sem os recursos propiciados pelo projeto de carbono.
Hoje acredito que há uma dificuldade enorme de se unificar esse conceito de forma global, levando em conta as particularidades de cada jurisdição e país. Por exemplo, muitas vezes no Brasil vemos situações que são legalmente impostas pelo Código Florestal e a legislação ambiental, mas com pouquíssimos incentivos financeiros para acontecer (veja o atraso na implementação dos Planos de Regularização Ambientais e os déficits de Reserva Legal e APP em nosso país). Pela ortodoxia da adicionalidade, tais atividades poderiam ser consideradas não adicionais, mas precisamos levá-las a uma análise mais minuciosa, que capture essas particularidades descritas. Isso já vem sendo percebido pelas certificadoras do MVC, mas precisamos de cada vez mais granularidade para que análises regionais
sejam fidedignas e íntegras (e que tais minúcias sejam decupadas pelas auditorias).
Por outro lado, o oposto desse pêndulo também é verdade. Hoje vemos muitos “heréticos” da adicionalidade tentando gerar créditos de carbono em situações estapafúrdias, sem nenhum tipo de remoção ou redução real de emissões, um verdadeiro desserviço climático. Há uma proliferação de desenvolvedoras e certificadoras com pouco entendimento dos ditames fundamentais desse mercado, e isso obviamente é o que todos queremos evitar. Por isso, fica o conselho para empresas navegando o MVC, busque parceiros íntegros e com experiência nesse mercado.
6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?
A precificação do carbono é um caminho sem volta, e as SBN são o coração pulsante dessa agenda. É interessante e ao mesmo tempo alvissareiro perceber isso mesmo com a escalada preocupante de conflitos regionais, conjuntura econômica mundial e desafios de supply-chain que estamos vivenciando. Mesmo com todo o contexto geopolítico atual – um singular mundo pós-pandêmico, guerra na Ucrânia, guerras assimétricas no Oriente-Médio, possibilidade de conflito no leste asiático - ainda estamos vendo inúmeros exemplos sendo gestados e operados; a China com mercados regulados em certas províncias, União Europeia mantendo regulação, países no Sul-Global implementando novos mercados regulados (Brasil incluído).
Isso nos revela um elemento singular diplomático demonstrando que mesmo sem consenso no artigo 6 do Acordo de Paris, o consenso central do acordo sobre a necessidade de se reduzir emissões ainda persiste, e diversos países ainda encontram internamente um momentum legislativo relevante para conseguir continuar avançando regulação nacional para se implementar mercados de carbono.
Não me entendam mal, estamos muito aquém de onde deveríamos estar para atingir as metas do Acordo de Paris. Mas a verdade é que os mercados de carbono são somente uma parte desse mosaico muito mais abrangente de políticas públicas (e estratégias do setor privado) para combater as mudanças climáticas, então nesse sentido é um sinal muito positivo de que essa ferramenta segue em estágio de implementação globalmente. O MVC é uma parte central desse desenho, não nos esqueçamos disso.
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