"Ainda sentindo que faltava algo, voltei a refletir de que forma eu conseguiria causar um maior impacto e contribuir para as empresas do mundo SBN prosperarem. E foi assim que acabei decidindo abrir o meu próprio escritório de advocacia. "
1. Qual é a sua formação e experiência em soluções baseadas na natureza (SBN)?
Eu atuo como advogada há 12 anos, mas foi nos últimos 5 anos que ganhei maior proximidade com o cenário das SBN. Trabalhei no jurídico de uma multinacional no setor de bebidas, quando fui responsável pela área ambiental (dentre outras atribuições empresariais). Lá tive bastante contato com questões relacionadas a resíduos sólidos e toda a dificuldade que o setor enfrenta em criar embalagens mais sustentáveis e até mesmo em unir todos os responsáveis da cadeia para dar um destino adequado à totalidade de embalagens pós-consumo.
Durante a pandemia me mudei para Santa Catarina e, vindo morar em uma cidade de praia, aprendi a surfar. O contato diário com o mar e a natureza me fez olhar cada vez mais para a causa ambiental. Fiz uma mudança na carreira, para ir trabalhar em uma startup do mercado de créditos de carbono, com o propósito de conservar a Floresta Amazônica. Aprendi bastante sobre o mercado e os desafios dos projetos desenvolvidos na área.
Nesse meio tempo, fui fazendo pequenas ações para tentar contribuir positivamente com o meio ambiente. Iniciei um projeto de coleta de redes de pesca usadas, como forma de tentar reutilizar esse resíduo em obras de bioconstrução, ajudei a organizar limpezas de praia na minha região, participei de um trabalho voluntário com a causa social, e me aventurei em um curso de implantação de agroflorestas. No final do ano passado, resolvi me dedicar mais ao conhecimento técnico dentro de sustentabilidade e comecei um MBA em Desenvolvimento Sustentável e Economia Circular.
Eu sempre acreditei que os advogados devem se aprofundar mais tecnicamente para, quando forem atender os seus clientes, conseguirem realmente entender cada negócio e sair do senso comum. É importante acompanhar como o mercado se posiciona, saber o que as outras empresas do setor estão fazendo, e quais as oportunidades que ainda não foram vistas pelo cliente. Conhecimento nunca é demais.
Ainda sentindo que faltava algo, voltei a refletir de que forma eu conseguiria causar um maior impacto e contribuir para as empresas do mundo SBN prosperarem. E foi assim que acabei decidindo abrir o meu próprio escritório de advocacia.
2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?
Ao abrir o escritório de advocacia no mundo SBN, decidi que minha missão seria ser parceira de clientes que, assim como eu, tivessem causas socioambientais em seu propósito. Como também atuei com inovações enquanto trabalhei em uma multinacional, busquei me aproximar de startups e oferecer serviços dentro do direito empresarial, como o mapeamento de riscos e soluções, estruturação de governança, negociação e elaboração de contratos, entre outros serviços jurídicos. Hoje tenho na minha base de clientes empresas do mundo SBN, como as que trabalham com implantação e monitoramento de agroflorestas ou com investimentos para promover a agropecuária sustentável.
Acredito que o grande diferencial seja entender o momento em que o cliente está. Os advogados que atendem empresas no contexto SBN devem conseguir ter uma visão do todo, conhecer as dificuldades do mercado e saber eleger o que é prioritário. Não adiantaria criar políticas que não vão ser usadas, fazer adequações que não farão diferença no momento presente, apontar riscos e não dar opções. São empresas que geralmente precisam de mentoria, investimentos e proteções legais, mas com pouco poder de barganha. É necessária uma compreensão de como é possível ser verdadeiro facilitador desses processos - sejam internos, com investidores, com o poder público, aceleradoras, entre outros - levando em conta os desafios e sendo criativo para contorná-los.
3. Quais são os números ou insights de mercado que mais entusiasmam você no espaço de SBN?
Embora ainda haja muito a evoluir no crescimento das SBN, fico feliz em ver movimentos do governo, principalmente com a abertura de editais ou programas de financiamento, que são destinados para o reflorestamento. No final do ano passado, o BNDES abriu um edital objetivando o restauro da Floresta Amazônica, com custo total de R$51 bilhões de reais e investimento de R$450 milhões na restauração de áreas desmatadas ou degradadas.
Também segue essa linha a meta anunciada do Brasil de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação até 2030 (conforme o Relatório da Agenda Transversal do Plano Plurianual 2024-2027), bem como de diminuir em 20% o tamanho da área total desmatada em todos os seis biomas brasileiros. A tendência é que surjam mais iniciativas destinadas a atuar nessa frente ao longo dos próximos anos.
Além disso, considero animador o surgimento de mais startups que atuam com sistemas de agrofloresta e buscam agregar tecnologia e ciência de dados em suas operações. O IPCC já identificou, anos atrás, o plantio em sistemas agroflorestais como uma das medidas mais interessantes para a adaptação climática. Como estimado pelo órgão, as mudanças climáticas podem reduzir em mais de 17% a produtividade global, o que faz dos sistemas agroflorestais um caminho a ser considerado. A evolução do modelo agroflorestal, nesse cenário, alinhada a inovações, tende a tornar as decisões de implantação mais assertivas (com a escolha do que é mais adequado para cada área), além de potencializar a escala e gerar oportunidades no campo para agricultores familiares, produtores rurais e empresas do ramo.
4. Quais são as principais dificuldades ou travas que, se resolvidos, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?
Eu acredito que as barreiras para o crescimento das SBN são muitas, como o excesso de burocracias que envolvem o financiamento, a dificuldade de acessar investimentos do setor privado, a falta de políticas públicas que possam incentivar mais os projetos e as empresas que existem, a baixa fiscalização sobre empresas que estão na contramão das SBN e que apenas causam impactos negativos, e o difícil acesso à capacitação, principalmente pelos pequenos empreendedores (especialmente sobre como tornar um negócio de impacto em algo lucrativo).
A falta de conhecimento sobre os problemas climáticos ou a falta de ação pelos cidadãos também é uma barreira. Em um mundo ideal, deveríamos juntar diversos fatores para a preservação da natureza e o combate à crise climática - e, consequentemente, para que as SBN fossem mais reconhecidas e valorizadas. Segundo o Instituto Akatu, essa equação envolve (i) promover mudanças tecnológicas, (ii) alterar políticas públicas, (iii) trazer uma nova consciências dos consumidores para um estilo de vida mais sustentável, (iv) ter novos produtos e serviços no mercado que viabilizem esse estilo de vida e (v) criar uma nova organização da sociedade, que impulsione estilos de vida mais sustentáveis. Será muito difícil avançar em qualquer uma dessas frentes sem a consciência dos impactos do consumo e sem a motivação para agir.
Como solucionar isso é uma grande provocação que deve existir e fazer parte do papel das SBN. Será que estamos trabalhando com conscientização da melhor forma? Estamos sabendo comunicar corretamente os atributos das SBN? Os empreendedores estão conseguindo definir indicadores para medir o seu impacto e coletando dados suficientes para mostrar o seu diferencial? Será que o modelo de negócio (e não só o propósito) de cada empresa do mundo SBN foi construído de forma a ser sustentável também? São questões que demandam reflexão.
5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar um termo no espaço das SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?
Pensando no mercado de carbono como exemplo, alguns conceitos são confundidos quando pensamos nas metas que as empresas assumem quanto às suas emissões. Fala-se em carbono neutro, net zero, carbono negativo e carbon free, às vezes até com menção a estes termos na comunicação da empresa ou na embalagem de produtos, mas sem que haja uma explicação maior aos consumidores sobre o que isso realmente significa.
Quando uma empresa se compromete a ser carbono neutro, isso quer dizer que ela compensa todas as emissões geradas por sua operação em um determinado período de tempo (usualmente, em um ano, quando esta avaliação é feita). É bem importante comunicar o período contemplado, para dar maior transparência ao efetivo impacto. Assim, a quantidade de gases de efeito estufa (GEE) gerados é eliminada ou compensada (geralmente por meio da compra de créditos de carbono), atingindo-se um balanço zero nos escopos 1 (emissões pelas quais a empresa é diretamente responsável) e 2 (emissões indiretas, como a compra de energia da rede).
Já quando o compromisso é se tornar net zero, além de se comprometer em reduzir as emissões de seu negócio, bem como as emissões decorrentes do uso de energia, são consideradas as emissões do escopo 3, que são aquelas indiretas de toda a cadeia de valor, como as emissões decorrentes de viagens de aviões ou logística terceirizada. Nesse compromisso, deve-se haver o esforço para não emitir GEE decorrentes da operação da empresa e ao longo de sua cadeia de valor e, caso haja a emissão de forma residual, deve ser feita a compensação.
Também é possível se tornar carbono negativo, o que significa que a empresa, além de atingir o net zero, remove emissões de forma adicional, ou seja, remove mais GEE do que emite para criar um benefício ambiental, o que pode ser feito via compensações.
Por fim, o termo carbon free também é utilizado complementarmente como estratégia de eliminação de emissões, e trata do uso de energia 100% limpa nas operações da empresa, isto é, vinda de fontes livres de carbono, como energia renovável de eólicas ou de hidrelétricas.
As empresas que utilizam esses conceitos devem usá-los somente se tiverem o poder de demonstrar o impacto de cada compromisso, como em seus relatórios socioambientais, que conferem maior transparência às metas adotadas.
6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?
Tempos atrás me encontrei com uma verdadeira ativista ambiental e me lembro de como ela estava desanimada com o comportamento das pessoas, um pouco cansada de agir da melhor forma socioambiental possível e se sentir uma pequena formiguinha no todo. Acho que muitos de nós já nos sentimos assim em algum momento. Mas quero acreditar que as atitudes de cada indivíduo podem sim influenciar e causar mudanças positivas.
Todo dia temos o poder da escolha. De nossas compras, quem apoiamos, o poder de revisar o nosso estilo de vida, a habilidade de defender projetos positivos e de influenciar a destinação de recursos nas empresas em que trabalhamos, a motivação para acompanhar o que está sendo feito em cada setor da sociedade para a preservação da natureza, e a reflexão do que mais podemos fazer. Que a gente continue tomando as melhores escolhas e não desista no processo. Resiliência com uma boa pitada de ação.
E para todos que precisarem de auxílio nesse processo (jurídico ou não), ficarei feliz em contribuir como puder.
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