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Visão de Daniele Cesano, fundador e CEO da LandPrint: Avaliando o verdadeiro potencial da natureza.

"A LandPrint trabalha para analisar e reduzir os riscos de crédito e de compra de matéria-prima para produtores através da análise de dados ambientais padronizados."
Daniele Cesano
Daniele Cesano, fundador e CEO da LandPrint

1. Qual é a sua formação e experiência em soluções baseadas na natureza (SBN)?


Como engenheiro ambiental com dupla graduação pelo Politecnico di Torino na Itália, onde nasci, e pelo Royal Institute of Technology em Estocolmo, tenho me envolvido profundamente em soluções baseadas na natureza (SBN) desde o início da minha carreira.


Minha jornada em SBN começou durante meu doutorado em Estocolmo, onde me concentrei nos riscos de contaminação radioativa devido à falha das barreiras de engenharia no depósito de resíduos radioativos de Yucca Mountain em Nevada. Esta pesquisa fez parte de um projeto colaborativo com a Columbia University em Nova York, onde realizei a maior parte dos meus estudos.


Embora eu gostasse do trabalho acadêmico, achei-o um tanto quanto estagnado e logo após me graduar, transitei para um papel mais dinâmico em Nova York na ARUP, uma empresa de design ambiental. Depois de três anos, buscando mais ação e menos satisfeito com a consultoria, mudei-me para Londres para coordenar um projeto estratégico de sustentabilidade financiado pela Fundação Rockefeller chamado LEAD. Esta iniciativa visava criar uma rede global de líderes, onde ajudei a conceber um projeto sobre "agricultura inteligente para o clima" (Climate Smart Agriculture) no Brasil com a ONG Redeh. Este projeto obteve investimento do governo britânico, e atuei como consultor enquanto também me envolvia com o mercado de carbono durante a era do Protocolo de Quioto, facilitando pools de troca de emissões entre setores na Itália por volta de 2003.


Entre 2003 e 2008, executei o projeto e depois recebi uma bolsa em ciência da sustentabilidade na Escola Kennedy de Harvard em 2008. No enquanto, o projeto no Brasil foi um sucesso, atraindo investimentos significativos, e em 2008 mudei-me para o Brasil para coordená-lo. De 2008 a 2018, o coordenei tecnicamente. O projeto virou um programa (Adapta Sertão) na região semiárida, visando escalar práticas agrícolas regenerativas. Foi durante esse tempo que compreendi totalmente o potencial das SBN. Engajamos mais de 850 produtores e desenvolvemos um sistema agroclimático sustentável chamado MAIS (Módulo Agroclimático Inteligente e Sustentável) baseado em SBN. Conseguimos produtores que produziam 100 litros por dia e depois de 6 anos passaram para 800 litros usando SBN e se profissionalizando na atividade através de um programa de assistência técnica focado no resultado para o produtor.


Em 2018, como o programa cresceu demais para ser auto-financiado, fundei duas empresas para continuar esse trabalho. A Adapta foca em fornecer assistência técnica para agricultura regenerativa na região semiárida, enquanto a LandPrint, que agora é meu foco principal, opera como um PaaS (Platform as a Service)  avançado para avaliação de riscos ambientais baseado em ativos ambientais. A LandPrint trabalha para analisar e reduzir os riscos de crédito e de compra de matéria-prima para produtores através da análise de dados ambientais padronizados.


2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?


A proposta de valor da LandPrint para alguém novo no setor pode ser descrita da seguinte maneira. A missão da LandPrint é reduzir o gap de dados ambientais para viabilizar mais financiamento voltado à natureza. Atualmente, a ausência de uma infraestrutura de dados robusta limita significativamente o investimento em iniciativas ambientais. Nesse contexto, a LandPrint desenvolveu uma metodologia de padronização para a caracterização de ativos ambientais. Esta metodologia inclui uma análise de risco ambiental apresentada sob a forma de um rating de ativos ambientais. Essa abordagem tem como objetivo auxiliar o setor corporativo e financeiro a desenvolver e implementar programas escaláveis, promovendo investimentos sustentáveis e impacto positivo no meio ambiente.


Modelo de Negócio: Operando como uma plataforma como serviço (PaaS), a LandPrint oferece soluções baseadas em tecnologia digital para avaliação de riscos ambientais e análise de desempenho sustentável. O modelo é baseado em assinaturas e serviços personalizados que atendem às necessidades específicas de cada cliente, desde pequenos agricultores até grandes corporações internacionais e instituições financeiras. Estamos por exemplo trabalhando com a Cargill para avaliar a sustentabilidade da cadeia de suprimento dela de um grupo de produtores do Maranhão, estamos ajudando certificar algumas operações de títulos verdes com o objetivo de escalar NBS.


Diferencial: O principal diferencial da LandPrint está na sua capacidade de fornecer avaliações ambientais detalhadas e confiáveis que são facilmente integráveis em sistemas de gestão corporativa e financeira porque estão atreladas ao risco de crédito e risco ambiental em geral. Utilizando tecnologia de ponta, como análise de big data e imagens de satélite, a plataforma consegue entregar insights acionáveis que ajudam as empresas a gerir melhor seus riscos e oportunidades relacionados à natureza. Estamos lançando as primeiras funcionalidades de deep analytics da plataforma de medição em Julho deste ano e iremos evoluir na medida que o mercado nos pede mais funcionalidades.


Necessidade do Cliente: A necessidade atendida pela LandPrint é a crescente demanda por transparência e conformidade ambiental no contexto empresarial assim como escalabilidade e economicidade das informações. Com regulamentações ambientais cada vez mais rigorosas,uma conexão real entre degradação ambiental e risco financeiro e uma conscientização maior sobre questões de sustentabilidade, as empresas buscam soluções que as ajudem a compreender e mitigar seus riscos e impactos ambientais de maneira eficaz.


3. Quais são os números ou insights de mercado que mais te animam no espaço de SBN?


É impressionante constatar que são gastos US$ 10 trilhões por ano em investimentos, incentivos e subsídios prejudiciais à natureza, em contraste com apenas US$ 200 bilhões por ano em investimentos em Soluções Baseadas na Natureza (SBN), apesar de praticamente todas as atividades econômicas do planeta dependerem dela. Essa disparidade é absurda. O problema, contudo, remonta a séculos atrás, especificamente entre 1000 e 600 a.C. na Turquia e na China, quando a moeda foi criada como mecanismo de troca, simbolizando o valor dos bens sem considerar o custo do esgotamento e da poluição dos recursos ambientais necessários para produzir esses bens. Naquela época, com uma população mundial de apenas algumas dezenas de milhões de pessoas, vivíamos em um mundo de recursos quase infinitos devido à baixa densidade de uso.


No entanto, com o crescimento demográfico explosivo, que saltou de 1 bilhão para 9 bilhões desde a Revolução Industrial — um período que marcou o início dos graves problemas de poluição generalizada —, fica claro que nosso sistema econômico está desatualizado. Ainda utilizamos o 'crescimento econômico' como a principal medida do desempenho econômico, baseado exclusivamente no valor dos bens e serviços, medidos principalmente pelo custo de transformação e pela dinâmica de oferta e demanda, sem incluir as perdas econômicas causadas pela redução do capital natural do qual todos nós dependemos.


Mas é aqui que meu entusiasmo realmente cresce, pois até recentemente, as tecnologias disponíveis não eram capazes de medir o impacto ambiental em escala planetária das nossas atividades econômicas e de gerar índices que pudessem complementar as medições do PIB. Hoje, temos essa capacidade, e acredito que essa será a maior contribuição das NatureTechs: integrar a valoração ambiental ao nosso sistema econômico.


Esta mudança é épica, algo que pode definir um 'antes' e 'depois' para nossa civilização. Isso abrirá uma grande oportunidade econômica, gerando uma nova onda de empreendedores que poderão criar capital econômico, natural e social simultaneamente, algo sem precedentes. Isso vai gerar mudanças estruturais na nossa economia em termos de consciência coletiva pois vamos internalizar que fazemos parte de um sistema natural que precisa ser respeitado. Espero que isso gere uma consciência social coletiva também maior.


Estes pontos destacam como as SBN estão se tornando uma parte crucial não apenas da estratégia ambiental, mas também da estratégia financeira de empresas e governos ao redor do mundo. A capacidade das SBN de oferecer soluções práticas e eficazes para desafios ambientais e econômicos as torna uma das áreas mais promissoras e empolgantes no espaço de sustentabilidade e da economia em geral.


4. Quais são as principais dificuldades ou travas que, se resolvidas, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?


As Soluções Baseadas na Natureza (SBN) enfrentam várias dificuldades e gargalos que, se resolvidos, podem significativamente acelerar seu crescimento. As principais barreiras na minha opinião incluem:


1. Mercado não regulamentado: Uma das grandes dificuldades é a falta de regulamentação clara no mercado de SBN. Isso pode levar a uma comunicação não transparente por parte das empresas sobre suas ações e impactos ambientais. Sem padrões ou regulamentações claras, é desafiador garantir que as iniciativas de SBN sejam eficazes e confiáveis.


2. Verificação por entidades externas: Há uma necessidade crítica de estabelecer sistemas nos quais as NatureTechs atuem como entidades de verificação externa das metas ambientais de empresas, governos e instituições financeiras. Isso ajudaria a aumentar a credibilidade e a eficácia das ações de SBN.


3. Legislação e regulamentação clara: Implementar legislação e regulamentações claras e abrangentes é essencial para formalizar as práticas de SBN. Contudo, há resistência significativa a mudanças, especialmente de setores que podem ser negativamente impactados pelas novas regras.


4. Internalização dos custos ambientais: Atualmente, produtos e serviços que degradam o ambiente muitas vezes são mais baratos devido à falta de internalização dos custos ambientais negativos. Mudar essa dinâmica de modo que produtos e serviços mais sustentáveis sejam economicamente mais viáveis é fundamental. Isso requer um sistema econômico que integre a qualidade ambiental no valor dos bens e serviços.


Se eu tivesse uma "varinha mágica", trabalharia para que os governos dessem oportunidade para um grupo de especialistas desenhar e testar um novo sistema econômico que incorpore esses princípios, em paralelo com o atual. Esse sistema seria gradualmente regulamentado e se tornaria o padrão, estabelecendo a estrutura necessária para a transição para práticas mais sustentáveis em duas a três décadas.


Essas mudanças não são apenas necessárias para assegurar um futuro sustentável, mas também apresentam uma oportunidade econômica significativa, potencializando uma nova onda de empreendedorismo que integra capital econômico, natural e social.


5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar uma palavra/conceito no espaço SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?


O conceito de "risco ambiental" é frequentemente mal compreendido e merece uma reavaliação significativa, especialmente no contexto das Soluções Baseadas na Natureza (SBN). Tradicionalmente, o risco ambiental é associado a desastres naturais ou eventos incontroláveis que causam danos significativos ao ambiente. No entanto, essa visão é bastante limitada e não abrange a totalidade dos riscos que as atividades humanas impõem ao meio ambiente.


As NatureTechs estão na vanguarda de redefinir o risco ambiental como um risco econômico direto. Isso significa que se não houver esforços para proteger e regenerar o meio ambiente, os custos econômicos para as empresas e sociedades aumentarão significativamente. Esse aumento de custos pode vir na forma de recursos naturais degradados que não podem mais sustentar a agricultura, ou através de danos a infraestruturas causados por eventos climáticos extremos, que se tornam mais frequentes e severos devido à degradação ambiental.


A LandPrint atua nesse espaço com um sistema de análises avançadas que ajuda a calcular o verdadeiro custo-oportunidade de investimentos em SBN. Essa abordagem envolve a criação de grandes bases de dados com medições homogêneas dos impactos ambientais, exigindo um diálogo constante sobre o que medir e como medir. Essa padronização das medições é crucial para que as informações sejam confiáveis e comparáveis, facilitando a tomada de decisão baseada em dados concretos.


No entanto, uma preocupação que surge com essa evolução é a potencial concentração de mercado. Assim como em outros setores tecnológicos, é provável que apenas alguns grandes players dominem a maior parte do mercado de NatureTechs, acabando monopolizando o mercado se não tivermos regras muito claras de transparência. Isso poderia limitar a diversidade de inovações e potencialmente centralizar demais o controle sobre informações críticas de risco ambiental.


Esta dinâmica de mercado requer vigilância para garantir que as soluções de SBN permaneçam acessíveis e benéficas para uma ampla gama de stakeholders, não apenas para grandes corporações ou entidades financeiras. A transparência, rastreabilidade e acessibilidade das informações ambientais serão fundamentais para que as NatureTechs possam realmente contribuir para um futuro mais sustentável.


6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?


Faria um apelo para que as empresas fossem mais abertas no diálogo com os empreendedores que estão tentando ajudá-las a resolver seus problemas. Atualmente, existe um grande protecionismo devido a dinâmicas internas, mas é crucial entender que se os problemas de esgotamento e degradação dos ativos ambientais não forem resolvidos em breve, serão essas mesmas empresas as primeiras a sofrer. A colaboração e a parceria com inovadores e especialistas em sustentabilidade podem trazer soluções eficazes e inovadoras, garantindo a resiliência e sustentabilidade a longo prazo para os negócios. A comunidade pode desempenhar um papel crucial ao se engajar ativamente em diálogos abertos e construtivos com empreendedores e empresas que buscam implementar soluções sustentáveis. Ao participar de fóruns, workshops e redes de sustentabilidade, membros da comunidade podem ajudar a quebrar barreiras protetivas e promover uma cultura de cooperação e transparência.


Eu posso ajudar através da atuação da LandPrint que é uma empresa de rating de risco ambiental que desenvolveu uma sistema de mensurações padronizados para quantificar e qualificar os ativos ambientais e agora começando a criar um deep analytics que liga as NBS com o impacto ambiental e econômico positivo. Nesse papel, posso atuar como um mediador para abrir canais de comunicação, ajudando as empresas a entenderem melhor as inovações que podem auxiliá-las a atingir suas metas de sustentabilidade.


 
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