"Buscamos ressignificar a ideia de que a qualidade do café dependa apenas de seus atributos sensoriais, mas também das consequências positivas que se pode gerar através do seu cultivo."
1. Qual é a sua formação e experiência em soluções baseadas na natureza (SBN)?
Meu nome é Eduardo Ferreira de Sousa, sou formado em Relações Internacionais e Economia pela FACAMP, sou mestre em Ciência e Economia do Café pela Università degli Studi di Udine e sou sócio administrador da empresa Flora Regenerative. Apesar de ser hoje a quinta geração de produtores de café de uma família que está nesse negócio há mais de um século, essa trajetória nunca foi óbvia para mim. Busquei trilhar outros caminhos distantes da agricultura e da cadeia do café. Contudo, assim que terminei a minha segunda graduação, comecei a me aproximar do negócio com o objetivo de ajudar a família em um processo de transição.
Já no meu primeiro ano próximo à produção, tivemos uma grande seca que frustrou severamente a safra. Logo percebi que qualquer permanência ou evolução do negócio passaria, necessariamente, pela compreensão e adequação do modelo de produção a climas extremos recorrentes. Por outro lado, pude entender a importância da agricultura para nossa sociedade e para o país, compreendendo então que o cultivo do café no principal país produtor do mundo poderia ser uma ferramenta de transformação.
Assim, a tradição familiar poderia então ser uma grande aliada e ponto de partida para se trabalhar com algo realmente capaz de gerar impacto na sociedade. Dessa maneira, a possibilidade de trilhar uma jornada na SBN foi o que definiu minha trajetória na cafeicultura e a continuidade do legado da minha família. Essa jornada se materializou em 2022, quando, em sociedade com o grupo Luxor Agro, fundamos a Flora, empresa especializada na produção de cafés especiais em sistemas regenerativos de produção.
2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?
O propósito da Flora é regenerar o planeta através do cultivo de cafés especiais. Nossa missão é escalar sistemas regenerativos de café agroflorestal. Acreditamos que através dessa combinação de missão e propósito, podemos endereçar o ciclo vicioso que temos hoje entre a cafeicultura convencional e as mudanças climáticas, desenvolvendo sistemas produtivos resilientes aos extremos climáticos e replicáveis em grandes escalas.
Somado a isso, nossa proposta de valor é produzir cafés de qualidade sensorial excepcional com impacto ambiental e social positivo e comprovado. Assim, buscamos ressignificar a ideia de que a qualidade do café dependa apenas de seus atributos sensoriais, mas também das consequências positivas que se pode gerar através do seu cultivo. A qualidade passa então a ser a linha de base, enquanto os impactos positivos (sociais e ambientais) são os grandes valores gerados de fato.
3. Quais são os números ou insights de mercado que mais te animam no espaço de SBN?
Um grande termômetro do avanço da SBN na agricultura brasileira é o crescimento do mercado de bioinsumos. O Brasil já é um dos líderes mundiais na adoção de insumos biológicos na agricultura, crescendo 15% nessa última safra (2023/24), gerando R$ 5 bilhões em vendas, segundo a CropLife Brasil.
Além disso, podemos ver estimativas de crescimento mundiais muito animadoras nas diferentes partes que compõem esse novo setor. Segundo a Forbes Insights, diferentes segmentos que compõem esse setor industrial, como biopesticidas, biofertilizantes e bioestimulantes, crescerão mais de dois dígitos até 2029. Esses dados mostram a importância global desse novo mercado, mostrando-se como um setor já consolidado.
Além disso, podemos ver a relevância do Brasil na criação de soluções e inovações sustentáveis, projetando o país como um possível expoente dessa nova agropecuária mundial.
4. Quais são as principais dificuldades ou travas que, se resolvidas, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?
Acredito que uma das principais dificuldades para o crescimento da SBN é a comunicação com a sociedade global e, portanto, com consumidores. Precisamos primeiro vencer a ideia de que as consequências das mudanças climáticas são um problema do futuro. Além disso, precisamos romper com o sentimento de que em algum momento teremos uma solução capaz de endereçar o problema como um todo de forma simples e definitiva, sem esforços graduais e constantes.
Por último, precisamos demonstrar que esse é um desafio global e generalizado, que exige esforços coletivos e mudanças radicais em como produzimos, comercializamos e consumimos. Para isso, precisamos primeiro de uma transformação radical na nossa forma de consumir. A partir da criação de uma consciência no consumo global, poderemos entender que a capacidade de decidir entre um ou outro produto considerando o impacto que ambos geram é muito transformadora.
Esse efeito borboleta será fundamental para transformarmos as diferentes cadeias de produção, entendendo que o valor de um produto é também a forma com que ele é produzido e, portanto, as consequências que ele gera para todo o mundo.
A partir dessa clareza, poderemos premiar de diferentes formas os projetos que de fato geram impactos positivos, criando assim um movimento de tração perene do consumo até a produção.nos e certificadoras precisam trazer garantias que hoje não existem.
5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar uma palavra/conceito no espaço SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?
A agricultura regenerativa é um conceito novo que vem sendo lapidado à medida que essas soluções se materializam na realidade. Contudo, muitas vezes a ideia da sustentabilidade como motor de transformação da agricultura se restringe apenas à questão da substituição de insumos.
Os insumos são parte fundamental da agricultura e, portanto, o futuro passa pelo questionamento dos insumos que a revolução verde criou. No entanto, para sermos capazes de mitigar os efeitos das mudanças climáticas e criar produções resilientes aos extremos climáticos, precisamos ir além de uma discussão meramente restrita a essa substituição de insumos.
É exatamente nesse ponto que a agricultura regenerativa se mostra como um conceito fundamental para endereçar tais problemas. Todo o conceito se baseia na criação de sistemas regenerativos de produção e, como definição, sistema é um conjunto ordenado de elementos que se interligam e interagem.
Assim, devemos pensar em como substituir insumos, mas - sobretudo – em como aliar esse ponto a outros processos e estruturas. No caso da Flora, por exemplo, desenvolvemos uma estrutura prática – unindo quatro pilares - para alcançarmos os objetivos da agricultura regenerativa, sendo eles: 1. Restauração e conectividade da paisagem; 2. Sistemas agroflorestais; 3. Práticas e insumos regenerativos e 4. Desenvolvimento de comunidades.
6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?
Acredito que precisamos criar diferentes ferramentas para possibilitar a transição de modelos de negócios anacrônicos às mudanças climáticas para outros modelos que considerem o clima e a sociedade como fatores basilares de seus negócios.
Ao longo desse processo de transição, precisamos impulsionar movimentos que busquem e promovam esses projetos, permitindo então a solidificação dessas iniciativas. Assim, todos são capazes de participar diretamente dessa transformação necessária, comunicando, divulgando e consumindo produtos e serviços que estão de fato buscando soluções para os problemas globais atuais.
As mudanças climáticas, por exemplo, não serão endereçadas a partir de soluções vindas de um único setor, mas apenas quando a sociedade global transformar seu modo de produção, consumo e de vida. Até lá, precisamos comunicar a emergência do assunto e apoiar iniciativas que estão buscando soluções para diferentes partes do desafio.
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