"Na Amazônia, um dos principais estados da região Norte onde são implementados projetos de SBN, é estimado que 56,4 milhões de hectares de terras necessitem de regularização de suas ocupações."
Imagine a seguinte situação: você consegue captar recursos de _venture capital_ , pelos quais vinha batalhando há tempos, para viabilizar seu grande projeto de soluções baseadas na natureza - NBS (do termo em inglês). Para a área do projeto, seu sócio indicou imóvel de um conhecido localizado no município de Boca do Acre, estado do Amazonas. Fizeram as checagens iniciais e detectaram que a área tem adicionalidade e que o projeto é viável.
O sócio comentou que há algumas famílias morando na área, distribuídas entre três comunidades, mas que não seriam problema. "Bem, podemos tentar uma certificação pelo padrão Climate, Community & Biodiversity - CCB da Verra. Vai agregar mais valor ao crédito gerado", você pensa. E após ser validado o _project description_ - PD, seguiu com a implantação e desenvolvimento do projeto.
Após alguns anos, já com algumas vintages emitidas, começam a aparecer notificações de órgãos como Ministério Público Federal, Fundação Nacional do Índio - Funai, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra sobre irregularidades na área e, consequetemente, no seu projeto. Alarmado, você procura saber o que está acontecendo.
Para sua surpresa, descobre que o imóvel está se sobrepondo a uma Reserva Extrativista (Resex), a uma terra indígena e a um assentamento federal. Além dos órgãos citados, moradores de uma comunidade ribeirinha reclama direitos sobre os créditos gerados – lembra aquelas comunidades que “não seriam problema”? E, para piorar, uma pessoa também reclama direito aos créditos, pois diz ser a verdadeira dona da área, conforme documentação que possui.
A situação relatada, aparentemente fictícia, por mais esdrúxula que possa parecer, já ocorreu na vida real com muita empresa da área, mesmo com _know-how_ , com expertise em projetos. Porém, não se atentaram para uma das questões mais elementares quando se utiliza imóvel rural como principal ferramenta de seus projetos: a regularização fundiária.
Caso os originadores do projeto tivessem tomado o cuidado de realizar completa análise documental da área, checando sobreposições, o domínio dos imóveis, questões de posseiros, conseguido certidões com órgãos públicos e dado a devida atenção às famílias que moram na área, sejam os ribeirinhos sejam os assentados, a situação não chegaria aquele ponto.
As situações relatadas são até contornáveis, mas não sem muitos esforços e tempo dedicados e gastos consideráveis. Sem cuidar do problema, há possibilidade de mancha na imagem da empresa ou do projeto são inevitáveis. Por certo que o melhor a fazer é evitá-las.
Essas ocorrências, chamadas de riscos fundiários, podem e devem ser evitadas pelos proprietários de imóveis e checadas com a devida lupa pelos desenvolvedores de projetos NBS. Como exemplos de riscos fundiários, que envolvem também questões ambientais, temos:
Documentação forjada de propriedade;
Conflito entre domínio e posse da área do projeto;
Existência de sobreposições com imóveis vizinhos, sejam em áreas particulares ou públicas, ou ambas;
Falta de cadastro no órgão fundiário federal;
Falta de georreferenciamento e certificação dos limites;
Não comprovação da regularidade fiscal do imóvel junto à Receita Federal;
Falta de cadastro ambiental rural (CAR), dentre outros.
E lembro que a falta de regularidade do imóvel impede seu proprietário de conseguir financiamentos junto a bancos ofíciais ou privados, por não poder deixar o imóvel em garantia.
Na Amazônia, um dos principais estados da região Norte onde são implementados projetos NBS, é estimado que 56,4 milhões de hectares de terras necessitem de regularização de suas ocupações, segundo levantamento de agosto de 2023 feito pelo Instituto Escolhas em parceria com o Grupo de Políticas Públicas da Esalq-USP. Esses dados apontam para uma necessidade maior de atenção em imóveis da região, ainda que problemas do tipo não sejam exclusivos dela.
Essas questões relativas à terra também dizem respeito ao aspecto ambiental. Nas áreas privadas, possíveis restrições de órgãos ambientais, federal ou estadual, como embargos e auto de infração ambiental, se não superados, também podem inviabilizar projetos. Portanto, a checagem detalhada dessas questões deve ser feita previamente ao desenvolvimento e à implantação do projeto.
Existem profissionais e empresas que prestam serviços especializados relacionados à regularização fundiária e ambiental dos imóveis rurais. E com o aumento da demanda por áreas para projetos, receber o devido suporte delas é essencial para o sucesso do empreendimento.
Com mais uma Conferência das Partes da ONU a ser contabilizada (COP 29) e com a recente aprovação pelo Senado do projeto de lei de regulamentação do Mercado Brasileiro de Crédito de Carbono, o Brasil terá para si os olhares do mundo, pela sua grande oferta de áreas para projetos e seu papel protagonista no setor.
Precisamos, contudo, proporcionar a devida segurança jurídica às empresas na escolha dos imóveis. E atentar para a regularização fundiária das áreas faz parte desse escopo.
Bons negócios!
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