"Estes negócios frequentemente se deparam com um descompasso crítico entre o financiamento disponível e suas necessidades específicas. Além disso, investidores de impacto, por sua vez, muitas vezes ainda operam sob a lógica tradicional do mercado, focando em retornos competitivos e priorizando, na prática, o aspecto financeiro em detrimento do impacto social."
1. Qual é a sua formação e experiência em soluções baseadas na natureza (SBN)?
Ao longo da minha carreira, acumulei experiência no setor digital como gerente de produtos, novos negócios e inovação aberta, conectando startups a grandes empresas. Há cinco anos, migrei para o terceiro setor buscando uma agenda de inovação com propósito, onde atuo com Filantropia Estratégica e fomento a Negócios de Impacto.
Minha experiência mais recente foi como gerente de investimento de impacto do iV Ventures, um fundo de Venture Philanthropy do Instituto Votorantim. O fundo, com R$20 milhões em doações das empresas do Grupo Votorantim, tinha como tese investir em negócios de impacto em estágio de validação nas áreas de Economia de Baixo Carbono, Água e Saneamento e Habitação de Interesse Social.
Além de capital paciente, oferecia aos negócios investidos: apoio não financeiro, conexão com as empresas do grupo e outros investidores, e apoio na gestão de impacto. O objetivo era ajudar negócios e empreendedores a superar o "missing middle", preparando-os para receber aportes financeiros subsequentes e escalar suas operações.
Nesse contexto, acabei me aproximando dos negócios de Soluções Baseadas na Natureza (SBN), pois se encaixavam perfeitamente na tese do fundo. Além de estarem na tese de economia de baixo carbono, com grande potencial de impacto, exigem capital paciente e apoio não financeiro para criarem novos mercados e modelos de negócio.
2. Como você descreveria a proposta de valor da sua organização para alguém novo no setor?
A tese central do fundo visava estabelecer uma estrutura de capital paciente e suporte não financeiro para startups em estágio iniciais com potencial de gerar impacto positivo, especialmente na fase de validação, onde as empresas já possuem um protótipo ou produto, primeiros clientes e alguma receita.
Muitos desses negócios enfrentam desafios significativos no financiamento de seu crescimento, pois se encontram em um elo perdido no acesso a capital: são grandes demais para micro financiamentos e doações, pequenos ou arriscados demais para empréstimos bancários convencionais, e não apresentam o crescimento, retorno ou potencial de saída que atrai fundos de venture capital.
Estes negócios frequentemente se deparam com um descompasso crítico entre o financiamento disponível e suas necessidades específicas. Além disso, investidores de impacto, por sua vez, muitas vezes ainda operam sob a lógica tradicional do mercado, focando em retornos competitivos e priorizando, na prática, o aspecto financeiro em detrimento do impacto social.
Era neste elo perdido que o fundo operava através de capital catalítico, aceitando retornos mais modestos em favor de um impacto positivo mais amplo, buscando destravar investimentos adicionais que de outra forma não seriam viáveis.
3. Quais são os números ou insights de mercado que mais te animam no espaço de SBN?
Há uma mistura de sentimentos entre ansiedade e entusiasmo. A ansiedade surge com a representatividade das emissões brasileiras pelas mudanças no uso da terra, que correspondem a 48%. Metade das emissões do Brasil está relacionada a um modelo arcaico e de baixa produtividade na exploração florestal do país que detém a maior biodiversidade do planeta. Ao mesmo tempo, o Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo e o primeiro em produtividade agropecuária, sendo reconhecido pela excelência em inovação e pesquisa no setor. Diante desta contradição, vejo nas Soluções Baseadas na Natureza (SBN) um caminho que pode unir a vocação agroexportadora brasileira a um modelo de desenvolvimento econômico que mantenha a floresta em pé. Meu entusiasmo reside na crença de que é possível criar condições e incentivos para que a floresta preservada seja mais valiosa do que uma área desmatada muitas vezes com uma atividade pecuária de baixa produtividade. Trata-se de um problema complexo, mas temos todas as vantagens comparativas e competitivas para resolver esta equação por meio de novos modelos de negócios, como as Soluções Baseadas na Natureza (SBN).
Mas para isso, é preciso continuarmos avançando na taxação de externalidades negativas, na compensação por serviços ecossistêmicos e no reconhecimento do valor da natureza como infraestrutura, para que as Soluções Baseadas na Natureza (SBN) tenham maior atratividade como negócio, superando modelos tradicionais centrados em um sistema linear, que pressupõem a disponibilidade contínua de recursos naturais ilimitados e baratos, sem preocupação em incorporar os impactos ambientais nos modelos econômicos e na contabilidade das empresas.
4. Quais são as principais dificuldades ou travas que, se resolvidas, podem e têm contribuído para o crescimento das SBN?
Sob a minha perspectiva, o modelo de financiamento para negócios emergentes ainda não validados no mercado representa um gargalo importante para a agenda das Soluções Baseadas na Natureza (SBN). Primeiramente, existe um grupo muito heterogêneo de negócios inovadores nessa agenda, que inclui conservação, restauração, consumo, negócios de base comunitária, biotecnologia, climatech, entre outros. Estes apresentam tempos de maturação, taxas de crescimento e necessidades de financiamento muito distintos entre si. No entanto, é comum ver negócios em busca de financiamento utilizando modelos orientados a fundos de venture capital, que preveem crescimento acelerado, intensa queima de caixa e forte dependência de novas rodadas de investimento baseadas em equity. Isso, em grande parte, é incompatível com as necessidades de financiamento destes negócios. Um segundo ponto é a escassez de capital paciente para fomentar esses negócios de alto risco ainda não validados. Conforme um estudo da Global Impact Investing Network (GIIN), cerca de 85% dos investidores de impacto globais aspiram a retornos financeiros compatíveis ou superiores aos do mercado, em linha com seus objetivos de investimento. Esse dado evidencia a forte conexão do investimento de impacto com as abordagens convencionais de investimento, majoritariamente lideradas por fundos de capital de risco e empréstimos que visam retornos alinhados ao mercado. Além disso, grande parte destes fundos estão buscando investimento com aportes maiores e negócios já validados. É neste contexto que tem surgido a agenda de finanças inovadoras, com instrumentos que buscam proporcionar diversas formas de capital paciente e adaptável, com soluções de financiamento customizadas que se alinham ao modelo de impacto e estágio de desenvolvimento do negócio. A boa notícia para o setor de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) é que a filantropia e os bancos de desenvolvimento estão focados em impulsionar esta agenda, sobretudo no contexto das mudanças climáticas. Um caso emblemático é o edital de blended finance do BNDES, que alocou R$ 90 milhões em capital ‘concessional’ em 11 projetos, sendo 4 deles na agenda da Bioeconomia Florestal. Certamente, é um tema que os empreendedores de SBN deveriam se aprofundar ao buscar financiamento para o seu crescimento.
5. Você pode ajudar a esclarecer ou contextualizar uma palavra/conceito no espaço SBN que você acha que é frequentemente mal compreendido?
A meu ver, os componentes sociais e locais são frequentemente subestimados pelos empreendedores da Agenda de Soluções Baseadas na Natureza (SBN). De tal forma que esses aspectos, às vezes, não estão integrados à estratégia do negócio e não recebem a devida atenção e acompanhamento. Uma estratégia que não incorpora o desenvolvimento e a inclusão da população local pode se tornar frágil a longo prazo, especialmente diante do maior escrutínio da opinião pública, governos, reguladores e, consequentemente, dos investidores.
Essa não é uma competência simples de ser incorporada ao negócio; ela envolve múltiplos stakeholders, atuação em rede, e muitas vezes depende de políticas públicas e da interação com governos. Além disso, é difícil de mensurar e seus resultados muitas vezes só se manifestam a longo prazo. Contudo, tendem a trazer uma importante diferenciação competitiva se forem materiais e consistentes, além do potencial de transformação no território, é claro!"
6. O que você gostaria de compartilhar com a comunidade NatureHub Brasil?
A agenda das mudanças climáticas representa um problema complexo, com múltiplas causas e uma grande interdependência entre diversos fatores e stakeholders. Essa natureza intrincada dos problemas exige soluções que não apenas entendam os componentes individuais do problema, mas também as interações entre eles.
Acredito que os empreendedores de Soluções Baseadas na Natureza (SBN), que se aprofundam no entendimento de seu papel na cadeia, identificando os stakeholders envolvidos e a influência de suas soluções na melhoria do sistema, estarão mais bem posicionados a longo prazo.
Uma ferramenta simples e eficaz para apoiar esta jornada é a construção de uma teoria de mudança, acompanhada de indicadores e metas de impacto. Essa abordagem coloca o olhar para o impacto no centro da estratégia e confere maior coerência ao negócio. Além disso, essas práticas são pré-requisitos para acessar capital catalítico, um elemento chave para impulsionar iniciativas inovadoras no campo.
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